Evento, coordenado pelo Cdesc, abordou práticas inovadoras, especialmente voltadas a comunidades indígenas, como solução sustentável aos impactos do tráfico de drogas na Amazônia
Brasília, 11/03/025 – O aumento do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas ligadas ao crime organizado na Amazônia vêm impactando de forma severa os povos indígenas da região, ameaçando sua herança cultural, territórios e um dos ecossistemas mais críticos do mundo. Neste contexto, e considerando novas políticas sobre drogas implantadas recentemente em diferentes países, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil promoveu nesta terça-feira (11), durante a 68ª Sessão da Comissão de Narcóticos das Nações Unidas, em Viena (Áustria), evento paralelo para debater práticas inovadoras que possam gerar soluções para fortalecer estas comunidades.
A diretora do UNODC no Brasil, Elena Abbati, citou que o escritório brasileiro vem trabalhando, nos últimos quatro anos, com oito projetos na Amazônia, destacando experiências conduzidas por três deles: o Centro de Estudos sobre Drogas e Desenvolvimento Social Comunitário (Cdesc), o Projeto Tapajós e o SAR-TI. “A abordagem de desenvolvimento alternativo está no centro da discussão hoje, especialmente para os povos indígenas que estão em risco particular vivendo em ecossistemas frágeis. A cooperação internacional é, portanto, essencial para enfrentar esses desafios, bem como as parcerias entre os setores público e privado”, enfatizou.
O Cdesc, desenvolvido em conjunto com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP) e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), tem participado de audiências com povos indígenas, no âmbito de estudo sobre Desenvolvimento Alternativo na Política de Drogas desenvolvido em conjunto com associações indígenas, e mantém diálogos no estado do Pará, com o propósito de compreender como um projeto de desenvolvimento alternativo poderia ser implantado na região para contribuir na melhoria da cadeia da sociobioeconomia. Por sua vez, o Projeto Tapajós busca apoiar iniciativas para enfrentar o trabalho em condições análogas à escravidão e o tráfico de pessoas na mineração de ouro no estado do Pará, por meio de pesquisa, fortalecimento da segurança pública e justiça criminal e desenvolvimento alternativo. Já o SAR-TI, implementado com o apoio da Itália, busca fortalecer os sistemas de alerta precoce para crimes ambientais relacionados à mineração ilegal em territórios indígenas.
Fortalecimento local
A secretária Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marta Machado, também defendeu soluções integradas e multidimensionais para enfrentar o tráfico na Amazônia e ampliar a resiliência dos povos indígenas. “As políticas tradicionais de drogas falharam em conter o crime organizado ou proteger comunidades, muitas vezes aprofundando as desigualdades. A aplicação da lei por si só não desmantelará essas redes. O Brasil está comprometido com uma nova política de drogas, incorporando o Desenvolvimento Alternativo como uma estratégia-chave para resiliência territorial, autonomia econômica e proteção ambiental, adaptada ao nosso papel como um país de trânsito de drogas”, argumentou.
A Estratégia Nacional para Mitigação e Reparação do Impacto do Tráfico de Drogas sobre Populações Indígenas, da Senad, também foi apresentada por Marta Machado. O objetivo da iniciativa é, entre outras ações, garantir que as populações indígenas tenham acesso à assistência jurídica, programas de prevenção às drogas, oportunidades de desenvolvimento sustentável e direitos fundamentais.
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, também participou do evento, destacando o desafio de se proteger as áreas indígenas brasileiras, especialmente pelo fato de quase metade delas ocupar áreas de fronteira. “Sofremos a grande pressão do crime organizado e temos que proteger áreas com diferentes complexidades. Para isso, precisamos contar com soluções vindas do governo, de organismos internacionais e também baseadas em estratégias locais”, afirmou.
O evento paralelo ainda teve a participação online de um jovem comunicador indígena, Tumi Matis, do Vale do Javari. “Sofremos principalmente com a questão de álcool e drogas e, muitas vezes, o Estado está ausente em nossas comunidades. Vivemos na segunda maior terra indígena do Brasil, trabalhamos e lutamos par que possamos viver bem no nosso território”.
Experiências internacionais
Além das iniciativas em andamento no Brasil, Colômbia e Peru destacaram suas políticas sobre drogas e abordagens inovadoras para lidar com as vulnerabilidades econômicas e socioambientais enfrentadas pelas comunidades indígenas na Amazônia. Também foram apresentados estudos relevantes, recomendações e esforços internacionais sobre o tema, envolvendo a participação da Alemanha e da França.
A política de drogas adotada na Colômbia, por exemplo, possui oito eixos de trabalho, entre eles um específico para atender populações vulneráveis ao mercado e ao tráfico de drogas e um de cuidados com o meio ambiente. “Pela primeira vez na história faremos uma consulta prévia aos povos indígenas da Colômbia a respeito da política de drogas no país, fazendo um esforço técnico importante, mas com o compromisso ético de compreender as realidades locais”, explicou Alexander Rivera, diretor de Políticas sobre Drogas e Atividades Relacionadas do Ministério da Justiça e do Direito da Colômbia.
Carlos Sánchez del Águila, ministro Conselheiro da Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Vida sem Drogas (DEVIDA) do Peru, apresentou os pilares da políticas sobre drogas no país, comentando impactos do cultivo de coca e a importância de se fortalecer a governança territorial. O evento ainda contou com a participação de Bárbara Souto, coordenadora do Cdesc, que apresentou estudo do Cdesc sobre desenvolvimento alternativo e iniciativas do Centro junto a povos indígenas, bem como estudos sobre a região amazônica, e de Sofia Wahl, consultora da Parceria Global sobre Políticas e Desenvolvimento de Drogas (GPDPD) e da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ).